Certas coisas nunca saem da memória... Lembro-me como se fosse hoje.
Estava na sala, sentado a frente do computador, às 2:07 horas da madrugada tentando elaborar uma apresentação para o dia do Livro, solicitada pelo Diretor da Escola onde trabalho.
Certo momento resolvi conectar-me a Internet e entrar em uma dessas salas de bate-papo, onde as pessoas podem trocar informações, digitando mensagens.
Procurei uma sala com sete pessoas, talvez tão solitárias como eu, mas o sete é o meu número da sorte. Quem sabe conseguiria obter uma dica, uma orientação que me ajudasse?
Das sete pessoas só conversei com duas.
Uma chamava-se Lúcia e a outra Pedro.
Primeiro apresentei-me, e comecei um diálogo. Em poucos minutos já sabia que Pedro acessava o computador apenas durante suas férias, a Lúcia acessava todos os dias e considerava a Internet um “Mundo Mágico”.
Informei da necessidade de apresentar um trabalho para as crianças da 2ª série do Ensino Fundamental.
Lúcia escreveu a palavra Monteiro e em seguida o computador travou, parou inesperadamente.
Aquele nome parecia ter ligado um projetor de slides na minha mente, afinal na minha infância eu chamava o meu baú de brinquedos de Monteiro, pois montava e imaginava ser um cavalo com poderes mágicos.
Levantei da cadeira, saí da sala, entrei no quarto e em cima do guarda roupas, puxei o meu (hoje) baú de recordações, ele estava muito empoeirado, coloquei-o no chão, sentei ao lado e quando abri, pensei estar diante de uma máquina do tempo. Durante alguns breves segundos fiquei sem reação e o tempo parecia ter aumentado devido a quantidade de informações que como num velho disco de computador eu estava recuperando.
Primeiro assoprei a poeira de dentro do baú e em seguida peguei um carrinho de brinquedo, ao segurá-lo em minhas mãos por um breve instante, imaginei ter ouvido as palavras do meu pai: “ _Filho tenho um presente pra você!”, meu coração bateu mais forte, recoloquei o carrinho no lugar, logo após peguei e reli a minha primeira cartinha de amor recebida, e a que eu nunca tive coragem de enviar.
Após retirar diversos objetos, vi um livro com a capa rasgada e muito amassada. Era o livro que ganhei quando fiz sete anos, esse livro havia marcado minha vida. O livro chamava-se Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Segurei o livro com as duas mãos, levantei, saí do quarto, segui em direção ao computador. Abri o livro e coloquei ao lado da tela, sentei na cadeira, respirei fundo, reiniciei o computador, em seguida abri um programa para procurar arquivos.
Vagarosamente movi o ponteiro do mouse até uma pasta chamada: LIVROS_DIGITAIS, cliquei nela e pude ver um arquivo que chamou minha atenção pois chamava-se REINAÇÕES_MONTEIRO_LOBATO_VIRTUAL.
Imediatamente executei esse arquivo e para meu espanto era o mesmo livro que estava ali, ao lado o meu monitor de vídeo.
O livro digital tinha sons, personagens se movimentando, lembrei que numa aventura, a Emília boneca de pano, começou a falar. Não consegui me controlar, vendo o passado e o futuro juntos naquele determinado momento. Uma lágrima rolou na minha face e caprichosamente caiu no teclado, em cima do número 7.
Vi e revi o programa, li e reli o livro.
Resolvi apresentar para os alunos aquele livro digital, pois conseguiria demonstrar a modernidade e o meu livro antigo que insistia em vencer o passado, lembrando que boas obras permanecem.
Antes de dormir, refleti afinal o texto inesquecível da minha infância, agora com uma nova roupagem, sempre esteve ali na memória do meu computador, pude ainda perceber que de dentro do baú da minha vida, havia a emoção de um livro, que apesar de velho, empoeirado e rasgado, tornou-se eterno, afinal de contas, certas coisas nunca saem da memória.